2.400 agressões em apenas 8 meses
O mês de agosto, marcado pelas reflexões em torno dos 14 anos da Lei Maria da Penha, acabou. Mas o alerta sobre a violência contra a mulher continua. O núcleo especializado da Defensoria Pública do Estado (DPE/MA) no combate a este tipo de ocorrência, tem registrado, este ano, uma média de 300 atendimentos mensais. São casos como o de Virginia*, que, grávida, se viu obrigada a solicitar uma medida protetiva de urgência contra o ex-companheiro e pai do seu filho, temendo perder a vida.
Por intermédio da Defensoria, a assistida tomou coragem e está processando criminalmente o homem com quem conviveu por cerca de quatro anos, e pedindo ainda uma indenização pelos danos causados, com grave repercussão em sua honra e saúde em um período tão delicado de sua vida, visto que estava gestante do filho do agressor.
O Núcleo de Defesa da Mulher e População LGBT, da DPE/MA, instalado na Casa da Mulher Brasileira (CMB), em São Luís, também se deparou este ano, com situações de violência como a vivida por Ivete*, que nunca manteve relacionamento íntimo com o seu agressor.
“Segundo relatado, ela conheceu o rapaz em um grupo de igreja criado em uma dessas redes sociais, onde conversavam apenas amenidades e assuntos da fé. Depois de três meses, o agressor a pediu em namoro, e Ivete não aceitou, pedindo que ele não insistisse. A partir daí, o homem deu início a uma série de agressões verbais e ameaças de difamação, ao ponto de chegar a compartilhar fotos íntimas, na verdade, montagens, associadas à imagem dela”, contou a defensora pública Lindevania Martins, uma das titulares do Núcleo da Mulher, sem revelar o nome real da mulher para preservar a identidade da assistida.
A defensora pública explicou, no entanto, que a maior parte dos casos de agressão ocorre no seio familiar, praticada por companheiros e ex-companheiros, com quem a mulher tem filhos, como foi o caso de Virginia. Para agravar ainda mais a situação, muitas vezes essas mulheres mantem vínculos de dependência financeira e psicológica também. E é nesse contexto que se torna ainda mais difícil romper o ciclo da violência e buscar ajuda, impulsionando as tristes estatísticas.
Uma das mais recentes foi divulgada na semana passada. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentaram os resultados do último levantamento que realizaram, com base em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Intitulado Atlas da Violência 2020, o compilado mostra que o Brasil teve uma mulher assassinada a cada duas horas em 2018. Embora a taxa registre queda em relação a ano anterior, são muitas mulheres perdendo a vida, simplesmente, por ser quem são.
Os números do Atlas da Violência, no entanto, são de dois anos atrás, quando o mundo nem imaginava parar por conta da pandemia do novo coronavírus. Agora a realidade tem se mostrado ainda mais cruel com as mulheres. “Neste período de isolamento social, muitas mulheres estão confinadas com os agressores, têm mais dificuldades de denunciar e ter acesso ao sistema de proteção”, asseverou a defensora pública Denise Nepomuceno, também titularizada no Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria estadual.
E para não se ausentar dessa luta, Denise Nepomuceno lembrou que a instituição redimensionou suas estratégias de atendimento. “O acesso à justiça, garantido pela Defensoria Pública, não pode ser interrompido ou prejudicado. Portanto, tivemos que buscar mecanismos alternativos para possibilitar a continuidade dos nossos serviços. Intensificamos os contatos por telefone e por meio virtual”, disse, acrescentando que atendendo aos protocolos sanitários de segurança, a Defensoria retomou suas atividades presenciais, que não parou completamente mesmo na pandemia.
No âmbito da DPEMA, ainda é cedo para fazer comparativos com anos anteriores, e confirmar se houve crescimento no número de casos. O Núcleo da Mulher fechou com 3.600 atendimentos, em 2019, uma média mensal bem semelhante a deste ano.
Atribuições - Além de prestar orientações, a Defensoria garante a proteção jurídica de mulheres em situação de violência doméstica, familiar, dentre outras. Realização de campanhas educativas e eventos que chamem atenção para o tema, bem como a participação em seminários e atividades que permitem o compartilhamento de ideias, norteiam as ações no núcleo.
Destaque para o Projeto “Respeitar a Diferença é Viver Sem Violência”, executado pela DPE/MA com recursos do Ministério dos Direitos Humanos. A iniciativa contribuiu para o fortalecimento de ações de conscientização e tolerância da diversidade de gênero, bem como do atendimento direto. Além de São Luís, as atividades aconteceram em Caxias, Pinheiro e Alcântara. Só nesse projeto, foram contabilizados 1.682 atendimentos em 2019.
A atuação em rede é outra importante vertente desse trabalho. Juntamente com dezenas de outros órgãos, também instalados na CMB, tem feito a diferença na vida de muitas maranhenses. No intuito de fortalecer as políticas públicas de proteção e defesa dos direitos dessa parcela da população, as defensoras públicas, ainda, mantêm encontros regulares em grupos temáticos, como é o caso da Câmara Técnica de Monitoramento das Políticas Públicas para as Mulheres, no Maranhão, da Comissão de Defesa da Mulher do Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) e da Rede Amiga da Mulher, da região metropolitana de São Luís.
Lei Maria da Penha completa 14 anos com avanços e reflexões
Completando 14 anos de existência, a Lei Maria da Penha é considerada pelas defensoras públicas do Núcleo de Defesa da Mulher como um importante marco na promoção de direitos e enfrentamento da violência praticada contra a mulher no país.
“Essa é uma lei que tem reconhecimento mundial, representa um avanço muito importante com vistas a erradicação, prevenção e punição da violência contra a mulher, além de garantir mecanismos de proteção das mulheres em situação de violência em face das pessoas com as quais convivem ou se relacionam”, destacou Denise Nepomuceno.
Perguntada sobre os desafios atuais da Lei Maria da Penha, a defensora Lindevania Martins observa que não acha interessante postular a questão dessa forma: “A Lei Maria da Penha é um excelente instrumento de enfrentamento à violência contra a mulher, mas não cumpriu todas as suas potencialidades. Quando se fala em desafios da Lei se joga toda a responsabilidade sobre esse instrumento que, como qualquer lei, só produz efeitos no mundo através da ação das instituições e agentes. Então, os desafios pertencem ao Estado, às instituições e agentes a quem cumpre fazer a lei funcionar dentro das suas competências e que devem ser cobrados para que assim aconteça”, assinalou.
*Nomes fictícios para preservar a identidade das assistidas
Fonte: Matéria publicada no Jornal O Imparcial (edição do dia 05 de setembro de 2020).